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Bidmac allamejus  

A criação do Alamês

"Não criei uma língua para ser falada, mas para ser pensada. Ela é como um quadro pintado nas cores de um espelho, que nos mostra como somos além da segregação ilusória." 

Nasci no Brasil, mais especificamente em Santos no estado de São Paulo. Filho de uma mãe imigrante portuguesa que aqui aportou sem muito além de história e paixão pelo Brasil e de um pai que muito representa do que entendemos por mistura. Neles está minha origem que remonta a portugueses, africanos, índios, alemães, espanhóis e, possivelmente a mais origens. A genealogia dos sobrenomes da família aponta para espanhóis, alemães, hebreus, árabes, e possivelmente “bruxos” no passado. Mas a minha língua nativa historicamente é o latim vulgar, influenciado por celtas, germânicos e árabes, também conhecida como português.

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Esta é uma descrição quase étnica de quem sou quanto à origem. Possivelmente, é geneticamente tão mestiça quanto grande parte da população mundial. Mas, certamente não é completa o suficiente para dizer como me mercebo como pessoa. 

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A partir de muitos exemplos, tudo indica que queremos fazer parte de um grupo para que nosso EU possa se sentir completo. Todavia, eu, na condição de observador acredito que qualquer grupo que não corresponda ao todo é, racionalmente, a declaração nítida da incompletude de sua incompletude em relação ao todo.

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Quando declaramos não sermos simplesmente humanos, que é uma definição global, demonstramos ser apenas uma parte da realidade consagrada. Já é sabido que seja na Europa, Américas, África, Ásia ou Oceania, somos todos humanos, antes de qualquer classificação feita através de línguas. Com isto, procuro perceber-me, antes de tudo, humano. Não me considero superior em nada por esta percepção. Somente, por algum motivo, trilhei um caminho oposto ao do extremismo patriota, religioso, racista, étnico, bairrista ou qualquer coisa parcial, da qual somos mais vítimas que culpados. A história e o noticiário nos mostram que o mundo tem funcionado assim. Temos pouco tempo para criar nossos caminhos. Então seguimos o que nos é imposto, e não o é senão via linguagem.      

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Talvez por esta consciência, que não sei exatamente quando teve início, surgiu em mim uma necessidade de buscar quem eu realmente era, ou quem realmente somos, não como o óbvio fruto da mesma língua e efeitos culturais dela presentes na comunidade em que nasci.

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Foi na Bíblia Cristã em que tudo começou. Na literatura que foi trazida ao Brasil graças aos portugueses que faziam parte do império romano, que, por sua vez importara o cristianismo da Palestina. Mas qual verdade estaria por trás de Deus caso não fossem a língua e cultura, ambas parciais e regionais a terem me transmitido? Dizer que o "MEU" sistema cultural, disseminado pelo grupo a que pertenço era o único verdadeiro, parecia egoísta, narcísico e infantil demais para que me impedisse de buscar respostas para além das fronteiras psíquicas que a sociedade a que eu pertencia pareciam me impor.

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Assim fui além. Algumas vezes com receio de transgressão ou despersonificação, acessei literaturas de culturas transmitidas por línguas de países longínquos da África à Índia, da Ásia aos Índios. Ao pé da letra, tudo parecia muito contraditório. Os nomes dos Deuses eram diferentes, como também era seu número. Alguns sistemas culturais que proclamavam como o único verdadeiro, outros pareciam abraçar e aceitar tudo o que aparecia, por mais diferente que fosse. Em algum momento tudo parecia esfacelado em culturas e em línguas.

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Ao mesmo tempo, minha profissão e interesses pessoais me permitiram viajar pelo mundo e ouvir palavras e pensamentos de bocas de pessoas de várias localidades e de várias culturas, inclusive do meu próprio país. De certo modo, muito parecia fazer sentido agora. O que era dito em palavras era diferente, mas como era dito parecia se dividir em dois: aqueles que incluíam e aqueles que excluíam. Os que falavam “Você é um dos nossos” e os outros que falavam “Você está no caminho errado, o único certo é este que eu sigo”. Aprendi, então, a diferença entre conotação e literalidade, entre tolerância e fundamentalismo. Mas como estes conceitos que têm muito a ver com a formação do "EU" e da autoafirmação não caberia contrapor-me a ninguém.

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Para alguns, aceitarem o diferente poderia causar uma dor que talvez tenha menos a ver com qual crença ou sistema cultural a que pertencem mas, através de um complexo mecanismo psíquico, poderia constituir uma agressão ao que a pessoa entende por ser quem é e a seus valores, o que a obrigaria a afirmar suas crenças como verdades absolutas e inquestionáveis e, às vezes julgar o diferente como inadequado. Mas esta análise não é o foco principal aqui.

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Tudo isto me pareceu uma ilusão ou pelo menos uma incompletude, provocada pelo desconhecimento sobre o mundo como um todo seja pela parcialidade das línguas ou pela inacessibilidade à educação filosófico científica e aos estudos sociais.

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Neste contexto, surgiu em mim uma necessidade de unir o que se encontrava apartado, o que para um garoto, na idade pré-adulta em que estava e com minhas condições econômicas era impossível. Ousei então construir esta união para minha própria reflexão e ela se deu através da criação de uma língua.

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Misturei palavras e estruturas numa forma que pudesse compatibilizar a diversidade linguística, como se isto simbolizasse a extinção da ilusão fundamentalista do “eu sei, é a MINHA é a única verdade possível”. Surgiu o alamês misturando léxicos e estruturas presentes em todos os continentes desprezando a parcialidade e abraçando a mistura. E com o alamês surgiu uma dúvida: se esta língua é híbrida e a língua influencia a cultura que por sua vez abrange a religião, qual seria definição de Deus em alamês?

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Teoria e observação atenta às verbalizações nos vários sistemas culturais tornaram-se guias para a não parcialidade ilusória que na maioria das vezes está relacionada ao EGO. Fugi da armadilha: “a minha crença é a verdadeira, não posso perdê-la senão quem serei eu?” O caminho que segui foi o inverso, “A minha crença é parcial, a verdade está além da minha capacidade de compreensão, pois só posso compreender através da língua, mas a língua quem fala são os humanos, cada grupo a sua, de maneira parcial. E o universo é bem mais amplo que os humanos e sua forma de pensar”.

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O resultado foi a tolerância e a percepção de que a criação linguística, o alamês, não era nada senão algo como uma arte. Uma tentativa de fuga da ilusão através de algo engendrado, uma união que não existe na prática, mas que cientificamente é comprovada: somos todos humanos. Nosso inimigo: o EGO, sua constituição cultural e o medo da dor do não saber, o medo do sofrimento. E isto deu muitas pistas para um maior conhecimento sobre Deus, além das palavras, das línguas ou da literalidade que constitui o fundamentalismo. 

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O alamês foi criado num momento de grandes erupções hormonais, na fase da adolescência e da pré-juventude. A vida prática e coorporativa deixa pouco espaço para a realização de qualquer coisa do gênero. Não poderia tê-la criado nos dias de hoje, até memos pelo “pragmatismo” que a vida adulta impõe.  Décadas depois da criação, decidi publicar a língua, não como uma possibilidade de língua auxiliar internacional, que por vários motivos, se aproxima da utopia. Mas pelo potencial de provocar uma reflexão sobre quem somos e sobre as ilusões que nos separam dentro do mundo sígnico a exemplo de religiões, culturas e línguas.

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Mas para entender o alamês é preciso primeiro sentir a mesma dor do desapegar que eu senti e assumir que nada sabemos e que aquilo que nos foi dito não precisa ser a única coisa a fazer parte do que nosso EU é capaz de conceber. Depois é possível perceber a realidade de uma maneira diferente daquilo cuja grande parte dos sintomas se funda na ilusão.

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Podemos ser mais, ou melhor, somos comprovadamente mais, mas proferimos ideologias que não passam de ilusões muito bem entrelaçadas ao nosso aparelho psíquico - por medo e pela lei da inércia na trasmissão cultural via língua. Não espero grandes impactos nesta abordagem, uma vez que a o sentimento de resistência é forte e poderoso. Sem ele muitos de nossos preconceitos e problemas relacionados aos impulsos agressivos contra o que é diferente poderiam já estar resolvidos. Todavia, se esta criação servir de estímulo a um pensamento menos preconceituoso e que sirva de reflexão para o desenvolvimento de uma inteligência intercultural sentirei que contribui, de alguma maneira, em direção ao que se entende por uma realidade positiva e harmônica.

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Rodrigo Solano

 

Formado em Administração de Empresas & Comércio Exterior e Pós Graduado em Marketing Internacional pela Universidade Paulista, Master em Business Administration na Brazilian Business School, certificado internacional em Coaching e análise comportamental DISC pela Sociedade Latino Americana de Coaching e pós graduado em Semiótica Psicanalista na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo abordando o tema: Bases para a construção de uma língua artificial global como um ensaio de unificação cultural para harmonizar o significante “Deus”. Atuação, desde 1998, em atividades internacionais, para o governo da Tailândia, para a Câmara de Comércio Árabe-Brasileira e para Projetos Setoriais da Agência Brasileira de Desenvolvimento de Exportações e Investimentos. Conhecimento in loco de culturas de mais de 30 países. Atualmente é Diretor Consultor de projetos através do pensamento global na Think Global Capacitação e Desenvolvimento ( < www.thinkglobal.com.br > ).

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